Colégio Eleitoral: Como funciona e qual a preponderância que pode ainda ter nestas Eleições
- Alexandre Matos
- 1 de nov. de 2020
- 5 min de leitura

Joe Biden lidera confortavelmente as sondagens para a eleição da próxima terça-feira. O voto popular, pelo menos, parece estar garantido. Ainda assim, o Colégio Eleitoral pode ainda ter uma palavra a dizer. Como funciona então este sistema de eleição do Presidente dos EUA?
Como surgiu
O Colégio Eleitoral está presente na Constituição dos EUA desde 1787, quando esta foi aprovada. Na altura, não foi uma decisão nada fácil. Os relatos da época dizem-nos que este método foi apenas acordado à última hora. Havia uma grande divisão sobre como o Presidente devia ser eleito, com alguns a defender que devia ser o Congresso a decidir e outros a preferir o voto popular. O Colégio Eleitoral acabou por ser o meio-termo.
As primeiras três eleições acabaram por correr sem grandes problemas, mas não demorou muito a começar a ser questionado. Aliás, logo nos anos 90 desse mesmo século surgiram críticas. Mesmo James Madison, um dos “founding fathers” da Constituição, apelava à reforma no sistema. Mas antes de entrar nas discordâncias, é importante perceber exatamente o seu funcionamento.
Como funciona
O Colégio Eleitoral é composto por 538 delegados. Esse número é equivalente ao número de representantes que cada Estado tem no Congresso (435) e no Senado (100) mais três representantes da região de Washington DC, que não tem representação nas Câmaras Legislativas. Cada um dos 50 estados tem dois Senadores e os seus restantes delegados dependem do seu número de Congressistas. A Califórnia, um dos estados mais populosos tem, por exemplo, 55 delegados, enquanto que o Wyoming tem apenas 3.
No dia das eleições, na prática, as pessoas não votam nos candidatos, mas sim nos delegados do seu estado. Esses depois votam, numa reunião com o Congresso, em quem reuniu mais votos em todo o estado, independentemente do candidato ter ganho por 2 ou 40 pontos percentuais. Um sistema de “winner-takes-all” que permite rápidas alterações nas previsões no dia das eleições, exceto em dois Estados, Maine e Nebraska.
Não é o caso da Califórnia, que é declaradamente Democrata, mas um estado como o Texas, em que a divisão é maior, que conta com 38 delegados, pode rapidamente mudar o rumo da presidência com uma diferença mínima de votos.
Críticas
A principal crítica ao Colégio Eleitoral é o facto de permitir que o vencedor do voto popular não ganhe as eleições. O facto de não se seguir a máxima “uma pessoa, um voto” põe em causa o seu valor democrático, segundo muitos. Por exemplo, nas últimas eleições presidenciais, em 2016, o estado de Wyoming tinha um voto eleitoral por cada 160.000 habitantes, enquanto que a Califórnia tinha apenas um por cada 680.000.
Este problema da falta de representatividade é, em grande parte, devido ao facto de todos os Estados terem o mesmo número de Senadores (2), independentemente do seu tamanho.
O resultado deste sistema eleitoral é que os candidatos acabam por não nenhuma atenção a estados em que sabem que o seu partido está na maioria e direcionam toda a sua campanha para os designados “swings-states”, os que podem mais facilmente “virar” para o seu lado.
Isto porque não lhes interessa tentar angariar votos onde sabem que estão 20 pontos percentuais atrás, mesmo que com alguma campanha possam, por exemplo, recuperar 5%.
Em 2016, Hillary Clinton ganhou o voto popular por mais de três milhões de eleitores, mas perdeu no Colégio Eleitoral por 77 delegados. Isto tudo porque Donald Trump acabou por ganhar grande parte dos “swing-states”.
Porquê de persistir
Se todas estas críticas existem há mais de 200 anos, surge então a questão de como é que este sistema tem sobrevivido. A verdade é que não há uma única resposta a esta pergunta. Se calhar a que melhor responde é o facto de uma emenda constitucional precisar de dois terços dos votos favoráveis tanto no Congresso como no Senado e ainda a aprovação de três quartos dos Estados. E com os pequenos Estados reticentes quanto a abdicar do seu maior poder, nenhuma das milhares propostas ao longo dos anos tem conseguido ver a luz do dia.
O ano em que esteve mais próximo de ser concretizada uma reforma eleitoral foi em 1969, sob a presidência de Richard Nixon, quando chegou a ser aprovada uma alteração radical ao sistema, segunda a qual passaria a valer apenas o voto popular. Passou no Congresso mas a sua votação no Senado foi sendo adiada até acabar por ser “esquecida”.
Outra questão relevante é que os políticos do partido que está, em dada altura, a sair beneficiado destas questões de desproporcionalidade não vão querer mudar o sistema, por muito que até acreditem nas suas falhas. Ao longo dos anos isto tem variado entre o partido Democrata e o Republicano. Neste momento, são os mais à direita que têm lutado para manter o sistema.
Com a grande maioria do eleitorado republicano situado nos Estados mais rurais, com menor densidade populacional, o partido tem conseguido perder eleições a nível nacional, mas manter o poder. Aconteceu nas presidenciais de 2016 e de 2000, e tem acontecido quase sempre nas eleições para o Congresso e Senado.
Tudo isto está retratado com grande detalhe na série documental da Netflix em parceria com a Vox: “Whose Vote Counts, Explained”
Papel nas eleições 2020
Tendo tudo isto em conta, é irresponsável achar que Joe Biden tem as eleições ganhas, independentemente das sondagens atuais. Donald Trump conseguiu contrariar todas as previsões em 2016, e ainda é possível fazer o mesmo em 2020.
Há quatro anos, Trump conseguiu virar três Estados que haviam votado Democrata em 2012: Wisconsin, Michigan e Pennsylvania. O primeiro por cerca de 22 mil votos, o segundo por pouco mais de 10,5 mil e o último por 44 mil. Os três Estados juntos valeram 46 votos eleitorais ao atual Presidente, o suficiente para conseguir a vitória. Esses 76 mil votos foram suficientes para virar o resultado final naquela noite, ainda que Clinton tenha tido mais três milhões de votos a nível nacional.
Joe Biden parte na liderança para o dia 3 de novembro, mas as coisas podem mudar rapidamente.
Florida e Texas são dois dos Estados mais importantes. Juntos valem 67 votos eleitorais, o que pode significar uma diferença de 134 votos. Vamos imaginar que, hipoteticamente, Biden está precisamente 67 votos à frente de Trump. Caso o candidato republicano ganhe estes dois, consegue chegar ao mesmo nível do antigo vice-presidente, mas caso Biden consiga a vitória, fica então com a liderança pelos tais 134 votos. Uma diferença gigante que pode ser decidida, mais uma vez, por uns milhares de votos em cada um dos Estados.
O New York Times fez uma infografia interativa que nos consegue mostrar verdadeiramente o quão volátil pode ser o Colégio Eleitoral, permitindo ao leitor atribuir os votos de um determinado Estado para o candidato à sua escolha.
Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer na noite de 3 de novembro. Nem é certo que tenhamos os resultados logo nesse dia. Mas de uma coisa temos certeza: será a eleição mais aguardada e mais noticiada do século.
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