Reparação histórica na Argentina: o aborto já é lei aprovada
- Inês Delgado
- 8 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jan. de 2021

Quase a acabar o ano de 2020, fez-se história na Argentina. O país abriu portas ao progresso e consagrou-se o primeiro com influência regional a descriminalizar o aborto. Após décadas de luta pelo desenvolvimento de direitos sexuais e reprodutivos, a interrupção voluntária da gravidez foi legalizada com uma votação histórica. Um momento de viragem na América Latina.
Em 2018, ano em que 38 mulheres argentinas morreram em complicações derivadas de abortos não seguros e quando o Senado reprovou a oitava tentativa de aprovação no Congresso a legalização do aborto, nasceu a conhecida “maré verde” que, até então, nunca se havia resignado com o resultado. Desta vez o resultado foi diferente. O projeto enviado pelo presidente Alberto Férnandez recebeu, no Senado, 38 votos a favor, maioritariamente de mulheres, e 29 contra, com uma larga maioria do sexo masculino, além da abstenção.
A Argentina é dos países do mundo com uma das médias mais elevadas de abortos clandestinos anuais (400 a 600), registando, também, em média, 3000 mortes desde o retorno à democracia. O, há muito esperado, alcance da “dignidade e liberdade” chegou dia 30 de dezembro de 2020, fazendo com que a Argentina seja o 67º país a legalizar o aborto.

A legalização da interrupção voluntária da gravidez até às 14 semanas permitirá não só às mulheres argentinas, mas também às estrangeiras residentes no país, o direito de abortar. O projeto ressalva, ainda, que médicos contra o aborto não serão obrigados a executar o procedimento, sendo, no entanto, obrigatório os serviços de saúde apresentarem um profissional disposto a fazê-lo. Pacientes com menos de 16 anos precisarão do consentimento dos pais.
A senadora Silvia Sapag afirmou, durante o debate “Quando eu nasci nós, mulheres, não votávamos, não herdávamos e não podíamos ir à universidade. Quando eu nasci, nós não eramos nada”. Uma porta aberta, de olhos postos no futuro, vem legalizar o aborto em qualquer circunstância. Há 99 anos, só era legal abortar na Argentina em caso de violação ou devido a complicações na gravidez. O país da América Latina regista, anualmente, cerca de 270 a 530 mil abortos.

A aprovação da lei foi, não só “uma conquista”, mas também considerada pelos movimentos populares e parlamentares “uma reparação histórica”. Nancy González, ao comemorar o resultado, proferiu: "A partir de agora, a mulher decidirá sobre o seu projeto de vida. Antes, era impossibilitada ou recorria a um aborto clandestino”.
A ativista Mariela Belski, diretora-executiva da Amnistia Internacional argentina, já planeio a continuação da luta. “Agora talvez venha o mais complexo. Não vai demorar mais de uma semana a haver um pedido na justiça para considerar esta lei inconstitucional. Faltam muitos obstáculos, vai haver regiões onde será muito difícil implementar a lei”.
Na América Latina só um em cada quatro abortos é seguro. A “maré verde”, ou “lenço verde”, que impulsionou a mudança, “formada por uma diversidade enorme de coletivos” reconhece as dificuldades futuras, mas o caminho para o progresso é possível e, agora, legal.

Este tornou-se o símbolo de todas as mulheres da América Latina que lutam pelo mesmo direito, e Belski acredita que a aprovação da lei despoletará a discussão deste assunto em países onde ainda é um tema delicado.
A legalização do aborto no país argentino ecoou em todo o continente latino-americano. A nova inclui, ainda, a implementação da educação sexual integral, exigindo que o Estado estabeleça políticas, a fim de promover o fortalecimento da saúde sexual e reprodutiva.
Para já reina a sensação de “missão cumprida”. A neutralidade foi abortada e as ruas da Argentina ecoaram de felicidade, pela reparação histórica e verdadeira revolução cultural. “Conseguimos, irmãs”.

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