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Editorial: A insustentável leveza da Inspeção Geral da Administração Interna

  • Foto do escritor: Jornal Espectro
    Jornal Espectro
  • 20 de jan. de 2021
  • 3 min de leitura




Episódios de violência policial que exponham motivações racistas por parte de agentes de segurança vão para dois lugares: ou para lado nenhum, porque ninguém gravou, e por isso “ninguém viu” e “não aconteceu”; ou então para os confins da Administração Interna, onde ficam eternamente arquivados.


Só no ano de 2019 chegaram até à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), um serviço independente de controlo externo da atividade policial, mais de 900 queixas contra a atuação das forças de segurança. Dados relativos ao ano seguinte ainda não foram divulgados, mas pelo desenrolar da história, não parece que o caminho tenha sido muito distinto. Ainda 2020 soltava os primeiros suspiros, e já um agente da PSP entrava para as bocas do mundo com o espancamento de Cláudia Simões, que teve que esperar 158 dias (cerca de cinco meses) para ser ouvida pela IGAI e ver um processo disciplinar ser aberto.


Há uma leveza incompreensível e injustificável na atuação da Inspeção-Geral da Administração Interna, leveza essa que não casa com a alta responsabilidade das tarefas que lhe competem. Algo está incrivelmente mal no desempenho das suas funções e no seu próprio funcionamento interno. Houve quem precisasse da morte Ihor Homeniuk por três elementos do SEF para o reconhecer. Mas os mais atentos sabem que este não é um problema de agora. É já prática recorrente da IGAI não abrir inquéritos (eficazes) para dar resposta ao número de queixas contra agentes policiais que lhes chegam sistematicamente, ou então encerrar processos disciplinares por “falta de provas das alegações”.


A simples necessidade de haver um órgão de controlo das forças policiais, já por si resulta na falta de confiança e no medo da população em quem menos devia temer. Num relatório parlamentar, Paulo Ferreira, o Subinspetor da Administração Interna, defendia que «as forças de segurança não são organismos institucionalmente isolados, imunes às tensões e aos preconceitos dominantes, pelo que não se pode excluir que possam eventualmente incluir nos seus corpos elementos que podem reforçar a segregação e exclusão sociais a que estão votados os membros destas comunidades e grupos, em vez de contribuírem positivamente para as combater». É importante relembrar que a polícia é o único instrumento de gestão do monopólio da violência do Estado, que pode acioná-la em determinadas circunstâncias. Se esta tarefa não é desempenhada por profissionais altamente competentes, não inquinados por preconceitos e com uma formação exímia e contínua, como pode a população não se deixar invadir pelo medo?

Aceitar, pelo facto de existir uma parte da população preconceituosa, que as forças de segurança podem também ter, inevitavelmente, essa representação é um pensamento absolutamente derrotista e fatalista em relação ao futuro.


É da máxima urgência que seja entregue à população uma polícia capaz de fazer cumprir tudo aquilo que é esperado dela: capaz de gerir o poder que tem nas mãos, capaz de proteger todos e em especial os mais vulneráveis a ataques, capaz de gerir situações onde agentes se encontram altamente vulneráveis à raiva, capaz de não discriminar em razão de fatores como a raça ou a condição sexual, capaz de representar o Estado e os princípios constitucionais. Sem muitos rodeios, é extremamente necessário que seja entregue à população isso mesmo: uma polícia altamente capaz. Só assim é possível viver o Estado de Direito em pleno.


Quando isto não for respeitado, espera-se da Inspeção-Geral da Administração Interna que seja aquilo que não tem sido nos últimos anos: um órgão altamente competente e eficaz perante o tratamento de queixas. Um órgão que faça justiça perante os casos de injustiça, que averigue todas as violações graves dos direitos fundamentais de cidadãos por parte dos serviços ou seus agentes, que investigue, que inquira, que questione. Que seja, verdadeiramente, uma Inspeção-Geral da Administração Interna


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