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Extrema-direita de mãos dadas com forças de segurança por todo o mundo

  • Foto do escritor: Alexandre Matos
    Alexandre Matos
  • 28 de nov. de 2020
  • 6 min de leitura
Fotografia: Apu Gomes

A extrema-direita é, um pouco por todo o mundo, uma ameaça ao bom funcionamento de sociedades democráticas. O seu discurso abertamente racista, xenófobo, homofóbico e ultranacionalista é um perigo real para milhões de pessoas. Mas então porque é que as forças de segurança continuam a permitir que estes extremistas façam a sua cama dentro das suas estruturas?


Sabemos pela história (e pelo presente também), que a extrema-direita sempre teve fortes ligações às forças de segurança e às forças militares. Em Portugal, a sua forte expressão tem-se vindo a sentir nos últimos anos, com movimentos como o Zero, que já foi explicado aprofundadamente, e grande parte da sua inspiração surge de lá fora, de países como a Alemanha e, principalmente, os EUA.


O Zero tem muitas parecenças com vários movimentos de apoio à polícia que têm surgido também no passado próximo do outro lado do Oceano Atlântico. Aquele que tem a maior expressão mediática é o Blue Lives Matter. Ricardo Cabral Fernandes, jornalista especializado na extrema-direita, em entrevista ao Jornal Espectro, falou-nos um bocado sobre este movimento norte-americano.



Os perigos desta infiltração são óbvios para Ricardo Cabral Fernandes, que vê a situação com alguma preocupação.




Fotografia: Elijah Nouvelage - Reuters

Em Portugal, ainda não se chegou ao ponto de vermos, pelo menos atualmente, este tipo de grupo armados a virem para a rua ou a fazer algum tipo de atentado. Contudo, já se evoluiu para além de manifestações na rua por parte de polícias insatisfeitos. A parada ao estilo Ku Klux Klan em frente à sede do SOS Racismo seguido do email com ameaças a ativistas e deputados antirracistas e antifascistas foi já um escalar natural do perigo da normalização da extrema-direita.


Grupos de resistência sem liderança


Cabral Fernandes explica o surgimento deste tipo de grupos e como são vistos atualmente.



Mas a ameaça da extrema-direita continua a ser o maior perigo em termos de terrorismo nos EUA, muito superior ao jihadista, por exemplo. Quem diz isto é Ricardo Cabral Fernandes, mas a opinião é partilhada pelas chefias do próprio FBI.


A agência federal norte-americana vem já há alguns anos a mostrar alguma preocupação com a infiltrações da extrema-direita nas forças policiais. Existem vários relatórios internos, que foram lançados pela imprensa, que indicam isso mesmo.


Fotografia: Frank Franklin - AP

Um de 2006 alertava agentes para “tanto uma infiltração estratégica por parte de grupos organizados como uma infiltração de iniciativa própria de agentes policiais simpatizantes de causa relacionadas com a supremacia branca”. Outro relatório de 2015 vai ainda mais longe e diz que “investigações de terrorismo interno focadas em milícias extremistas, supremacistas brancos extremistas, e cidadãos soberanos extremistas identificaram com frequência ligações ativas a agentes das forças policiais”.


O perigo está bem identificado, mas a verdade é que pouco é feito. Numa audiência no Congresso em 2019, o representante William Lacy Clay questionou o chefe da divisão de contra terrorismo da altura, Michael McGarrity, sobre se a preocupação expressada nos dois relatórios ainda se mantinha. McGarrity afirmou que nunca tinha lido os relatórios. Em relação à infiltração em geral, respondeu que mantinha a suspeita de agentes supremacistas brancos, mas que a sua ideologia era um direito protegido pela Primeira Emenda da Constituição.


Mas mesmo sem os relatórios do FBI, são óbvias as ligações das forças policiais norte-americanas à extrema-direita, e muitos agentes nem sequer o escondem.

Um agente que estava a monitorizar um protesto do Black Lives Matter foi visto e filmado com uns emblemas no seu uniforme relativos a duas milícias de extrema-direita, o Three Percenters e o Oath Keepers.


Imagem: ABC News

Em Chicago, foi visto um agente a usar uma máscara com o logótipo do Oath Keepers enquanto que estava também de serviço numa manifestação recente.


Todo este clima de falta de confiança na polícia foi exacerbado ao longo deste ano nos EUA depois da morte de George Floyd por parte de um agente da polícia. Este foi um dos casos mais mediatizados, e que levou de facto ao despedimento dos agentes envolvidos. Mas uma das questões mais centrais de todo este debate é a falta de fiscalização no recrutamento para as forças policiais e a falta de fiscalização dos agentes quando estes estão já no ativo.

Os casos de despedimentos acontecem, mas são raros. E normalmente partem sempre de algum caso que tenha sido mediatizado.


Recentemente, foi criado um projeto nos EUA com o objetivo de fazer um levantamento de posts nas redes sociais por parte de polícias no ativo e na reforma que tivessem algo relacionado com racismo ou supremacia branca. Foram encontradas publicações de mais de 3500 agentes e uma das conclusões tirada depois da análise dos dados é que cerca de 1 em cada 5 polícias no ativo, e 2 em cada 5 reformados fizeram algum tipo de publicação ou comentário nalguma rede social.


O Reveal, um órgão de comunicação social, levou a cabo também uma investigação sobre a presença e atividade de agentes policiais em grupos de apoio à Confederação, anti-islâmicos, misóginos, ou de milícias antigovernamentais no Facebook. A maioria destes grupos são fechados, mas o Reveal conseguiu infiltrar-se nalguns destes e descobriu pelo menos 400 agentes no ativo e reformados com presença ativa.


Os EUA são o caso mais avançado no que diz respeito a estes grupos e a estas milícias, muito pela cultura nacionalista, pró-armas, anti-governo e racista que existe no país. Há já muitas instituições, jornais e grupos a denunciar a presença da extrema-direita nas forças de segurança, mas o trabalho feito pelas autoridades, tanto a nível local como a nível federal, para erradicar este problema tem sido sempre insuficiente.


O caso da Alemanha


A Alemanha é também, neste momento, um dos países que mais se tem debruçado com as questões da extrema-direita, e não só na polícia. Angela Merkel, a Chanceler alemã, tem sido uma voz muito ativa no combate aos extremismos de direita. Tem recusado veemente acordos com a extrema-direita alemã, e já obrigou o seu próprio partido a voltar atrás com acordos regionais que fizeram com o AfD, partido que tem vindo a crescer nas últimas vezes que o povo tem ido às urnas.


A grande diferença para o que acontece nos EUA é precisamente esse afastamento dos líderes políticos em relação a ligações da extrema-direita às forças de segurança. Em outubro de 2020, o governo alemão revelou um relatório em que denunciava a presença desses extremistas na polícia. Contrariamente ao que foi dito pelo diretor do FBI responsável pelo departamento de contra-terrorismo, o executivo alemão assumiu que era um motivo de “vergonha”, apesar de não considerar que seja um “problema estrutural”.

Os números contabilizavam cerca 377 extremistas de direita nas forças de segurança, uma minoria entre o total de 300 mil que confortavam o ministro do Interior da Baviera, Horst Seehofer.


Fotografia: Michael Debets

Toda esta atitude de maior fiscalização da extrema-direita surge depois de vários anos em que esta tem ganho terreno, tanto na rua como na política. O expoente máximo foi o assassinato de Walter Lübcke em 2019. Era um político alemão, de direita, conservador e católico. Porque é que um membro da extrema-direita o decapitou no terreno da sua própria casa? Tinha defendido a vinda de refugiados para a Alemanha.


O comentário tinha já sido feito em 2015, e gerou uma onda de insultos contra o político, que chegou a estar a sob proteção policial. Passado quatro anos, uma antiga colega de partido de Lübcke, que havia saído da CDU (União Democrata Cristã) para ir para a AfD, partido de extrema-direita, voltou a publicar a frase do político, gerando mais uma vez uma maré ódio. Cerca de 4 meses depois, Walter Lübcke aparece morto.


As ameaças de morte a políticos na Alemanha têm aumentado depois da morte de Lübcke. Depois de ter sido esfaqueada quase até à morte no meio da campanha em 2015, a presidente da Câmara de Colónia, Henriette Reker, recebeu até uma ameaça que referia Lübcke: “A fase da limpeza começou com Walter Lübcke. Vão seguir-se muito mais, incluindo tu. A tua vida vai acabar em 2020”.


Os números totais apontam para 169 assassínios desde 1990 por parte da extrema-direita alemã. Daniel Köhler, diretor do Instituto Alemão de Estudos de Radicalização e Desradicalização, afirma que “estatisticamente, há três ataques violentos de extrema-direita todos os dias na Alemanha” e que não há outra forma de violência que tenha esta expressão.


O problema da extrema-direita nas forças de segurança é um problema global. Aqui em Portugal começamos agora a dar mais importância à problemática. Mas como já ouvimos Mamadou Ba dizer, é apenas por estar a ganhar expressão mediática, porque o problema em si já existe há muito tempo. Da mesma forma que, até à eleições do ano passado, Portugal era dos poucos países europeus em que a extrema-direita não tinha representação parlamentar, mas que agora está em crescimento exponencial.


A extrema-direita não voltou simplesmente a aparecer do nada. O que todos os especialistas dizem é que tem voltado a crescer porque reaparecem figuras nos média e na política a defender abertamente a ideologia ou a normalizá-la.

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