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Forças de segurança portuguesas toleram comportamentos racistas e xenófobos nas suas instituições

  • Foto do escritor: Ana Francisca Gomes
    Ana Francisca Gomes
  • 7 de nov. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 20 de jan. de 2021

Fotografia: Miguel A. Cruz - LUSA

A segurança pública é uma das áreas em que referir a existência de atos com motivações racistas e/ou xenófobas é sensível do ponto de vista institucional e social. Esta realidade tem sido regularmente evidenciada por um conjunto de acontecimentos que têm criado tensões em determinados territórios.


As últimas duas décadas da história das forças de segurança portuguesas têm sido marcadas por episódios de violência racista. A juntar a situações de uso excessivo de força nas atuações em bairros sociais por parte da polícia, existem inúmero relatórios de entidades competentes nestes assuntos que nos permitem observar um comportamento padronizado desta instituição.

Um deles é o da Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância (ECRI), uma instância independente no domínio dos direitos humanos, especializada nas questões da luta contra o racismo e a intolerância. Este organismo desenvolve trabalhos de controlo de país a país, que analisam a situação em cada um dos estados membros do Conselho Europeu no que diz respeito a estas questões e formula sugestões e propostas para o tratamento dos problemas identificados.


A 2018, a ECRI publicava um relatório onde alertava para um grande número de casos de violência racista cometidos por agentes da polícia. Contudo, “nenhuma autoridade reuniu sistematicamente estas acusações e procedeu a um inquérito eficaz para determinar se são ou não verdadeiras” o que terá originado “medo e falta de confiança na polícia, particularmente entre as pessoas de origem africana”. A juntar à falta de procura por respostas, a ECRI reuniu também todos os casos de processos de disciplinares abertos em Julho de 2015 e concluiu que a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) encerrou sete dos nove processos disciplinares abertos nesse mês, pois era de opinião que “não existiam provas das alegações”, mostrando não haver a investigação profunda que casos desta natureza requerem.


O documento chega mesmo citar o despacho de acusação contra os agentes da polícia da Esquadra de Alfragide acusados de racismo e tortura, em Julho de 2017, como exemplo de uma situação comprovativa do “racismo institucional profundamente enraizado” e tolerado pela hierarquia da polícia e pela IGAI.


Por situações como esta, a ECRI recomenda a criação de um órgão independente para investigar “as alegações de abusos e racismo pela polícia” em Portugal e sugere que a própria polícia deva conduzir “investigações internas a qualquer conduta alegadamente racista, homofóbica ou transfóbica” dos seus agentes e que pare de “relativizar a violência grave contra as pessoas negras e os ciganos”. É aconselhado ainda que esta nova atitude e política de tolerância zero para com estes comportamentos passe a “constituir uma forte tónica na formação inicial e contínua dos agentes”.


No mesmo ano, a delegação do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Degradantes ou Desumanos (CPT) publicava também um relatório resultante de uma visita, em 2016, a alguns dos estabelecimentos prisionais portugueses.

Esta visita, que se focou nas condições de detenção e no tratamento de várias categorias de prisioneiros, permitiu apurar que, embora a maioria das pessoas afirmasse ter sido tratada de forma correta enquanto estava sob custódia policial, havia um número considerável de denúncias de maus tratos no momento da apreensão, antes da chegada às instalações de detenção da polícia, e durante o tempo passado nas esquadras. Os alegados maus tratos consistiram principalmente em “estalos, socos e pontapés no corpo e/ou cabeça e, ocasionalmente, na utilização de bastões e paus.” A partir destas evidências recolhidas pela CPT e através de entrevistas a pessoas detidas em diversos estabelecimentos, o relatório concluiu que “parece que o recurso à prática de maus tratos, especialmente contra estrangeiros, inclusive para a obtenção de confissões, não é infrequente”.


Em relação à Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI), o CPT recomenda que as autoridades portuguesas considerem a possibilidade de o transformar num “órgão totalmente independente encarregado de realizar investigações criminais sobre todas as denúncias de maus-tratos cometidos por funcionários responsáveis pela aplicação da lei” devido à sua ineficácia a responder e investigar estes casos. O comité lamenta ainda “a ausência” de “consciência” pela parte do Ministério da Administração Interna (MAI) de que existe um alto risco de maus tratos pela Polícia de Segurança Pública ou pela GNR.


Estes dois relatórios não são caso único no que trata a apontar para a urgência de uma mudança na estrutura interna das forças de segurança e na sua forma de atuação. O “Relatório sobre Racismo, Xenofobia e Discriminação Étnica-Racial em Portugal”, resultado de um conjunto de audições parlamentares ocorridas entre 2018 e 2019, chega mesmo a recomendar a “introdução de câmaras de vídeo na lapela das fardas quando há intervenções policiais” e o desenvolvimento de “projetos de proximidade com os jovens e as comunidades dos bairros das áreas metropolitanas”, para aumentar confiança entre a comunidade e a polícia.

Imensos relatórios são publicados todos os anos, quer sejam dos vários orgãos da Comissão Europeia, ou de outras entidades especializadas no assunto, como é o caso da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), e todos expõem debilidades das nossas forças de segurança pública.


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