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Movimento Zero: “força sem rosto”, parente próximo da extrema-direita?

  • Foto do escritor: Fábio Lopes
    Fábio Lopes
  • 25 de nov. de 2020
  • 10 min de leitura

Fotografia: Leonardo Negrão - Global Imagens

O descontentamento tem proliferado no seio das forças de segurança pública. Para muitos profissionais vivemos num país que secundariza, ou pelo menos tarda, o investimento neste setor. Este clima de insatisfação generalizada deu asas ao Movimento Zero. Numa viagem às suas origens e à sua história percebemos a magnitude e as consequências da sua implantação.


Na sua inquietante, mas nobre tarefa, de prestar serviço a um país, os polícias dizem-se confrontados com situações degradantes, e com carências de condições laborais, contra as quais estão numa constante luta. Agastados com a inatividade do Governo perante os seus gritos de revolta, exigem ser ouvidos.


Promessas que vão desde a revisão dos subsídios e dos suplementos remuneratórios, sobre os quais ainda não receberam qualquer alteração, ao aumento e ao rejuvenescimento do efetivo da PSP. Dizem-se cada vez mais condicionados pelos meios que têm para trabalhar.

Perante este cenário, os protestos têm subido de tom, assim como as manifestações verificadas.


Milhares têm sido os profissionais a sair à rua, em busca de um cenário mais animador. Contudo, por entre a revolta e bem no coração das forças de segurança pública, a discórdia e a desconfiança vão imperando. Acusações de racismo e de xenofobia, por parte de polícias, estão na ordem do dia e têm manchado o nome das instituições. Importa escrutinar o porquê destas acusações e qual a influência do Movimento Zero em todo este processo, analisando, com especial enfoque, indícios de ligações à extrema direita nacional.


Criação e rápido crescimento


Foi, precisamente, perante um ambiente de crispação como pano de fundo que surgiu o Movimento Zero. Sob a capa do anonimato, o Movimento foi criado nas redes sociais e ganhou forma em maio de 2019, na sequência da condenação, pelo Tribunal de Sintra, de vários agentes da PSP por ofensas à integridade física e injúrias a moradores do Bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa – que foram, no entanto, absolvidos de racismo e tortura. Apresentam-se como um grupo de protesto criado por elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR), contra a falta de apoio da PSP e do Ministério da Administração Interna.


Nascido na esquadra de Odivelas, o seu rápido crescimento foi conseguido com a troca de mensagens na plataforma Telegram. O grupo chegou a enviar uma carta aberta ao Presidente da República, a 31 de maio do ano passado, na qual referiu que os profissionais estão “desmotivados e crentes que a integridade institucional está cada vez mais desacreditada”, acrescentando que a primeira medida que concretizariam seria o desempenho de funções “com proatividade nula”, ou seja, fazer apenas o indispensável.


Além do caso da Cova da Moura, as declarações feitas por Manuel Morais, ex-vice presidente da Associação Sindical dos Profissionais da PSP, sobre a existência de racismo nos seus quadros vieram igualmente incentivar a criação do grupo, que afirma ser independente de qualquer sindicato. Com o mote de “Zero Detenções” e “Zero Atuações”, o Movimento pediu aos agentes que assumissem uma postura “educativa” nas fiscalizações rodoviárias e a estabelecimentos, evitando o patrulhamento de bairros problemáticos, a não ser que garantissem a sua própria segurança. Este foi o primeiro indício do movimento que, a partir daqui, se fez sentir de forma mais notória.


Para Ricardo Cabral Fernandes, jornalista freelancer e especializado em jornalismo de investigação, relacionado com o universo da extrema direita, em entrevista ao Jornal Espectro, refere que o rápido crescimento de um movimento como o Zero não é surpresa.




Primeira aparição pública


O modus operandi do grupo, nascido em esquadras da periferia da capital e bem implantado no Porto e Braga, apresentou alterações ao longo do tempo. Caracterizado por ir das ações simbólicas à incitação à greve, alternando silêncio com palavras violentas, ou mesmo desprezo, têm demonstrado a sua onda de insatisfação. Nas comemorações dos 152 anos da PSP, a 12 de julho de 2019, centenas de agentes vestidos de branco viraram as costas à cerimónia que decorria em frente, na Praça do Império, em Belém, enquanto discursava o diretor nacional da PSP, Luís Farinha.


À chegada ao palanque do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, os polícias foram abandonando as comemorações, presididas e presenciadas pelo primeiro-ministro, António Costa. Foi a primeira vez que testaram o método do silêncio. A partir deste momento, a sua presença intensificou-se e uma semana após este incidente, um grupo vestido com as mesmas t-shirts brancas, com as insígnias do M0, juntava-se à porta do Hospital de Braga.



Movimento Zero em protesto na cerimónia dos 152 anos da PSP. Fotografia: Miguel A. Lopes

Em causa estavam protestos contra as condições de trabalho dos agentes, depois de uma alegada tentativa de suicídio de um comissário da PSP da cidade, que se encontrava ali internado. De realçar, que esta concentração contou com a presença de Peixoto Rodrigues, presidente do Sindicato Unificado da PSP, que teceu largas críticas ao Estado, acusando-o de contribuir para a degradação da saúde mental dos polícias. O dirigente, admitiu ao jornal Expresso, fazer parte do grupo da rede social Telegram, no qual o M0 se organiza, admitindo desconhecer, contudo, quem o criou e quem o coordena. Dada a sua natureza confidencial, o grupo é fechado e só se entra por convite.


Escalar de preocupação face ao Movimento


Contido, no que a declarações públicas dizem respeito, o movimento aposta no ruído na Internet. Por lá, apresenta-se bastante ativo, contando já com mais de 70 mil seguidores. Uma página alegadamente de propaganda, e de desinformação, onde por vezes o ódio é destilado. A implantação do movimento estende-se, igualmente, aos sindicatos, que, evitando colar-se em demasia, não se afastam totalmente.

Na opinião de César Nogueira, líder da Associação dos Profissionais da GNR (APG), que vem deixando alertas para o risco de um movimento sem rosto, há a possibilidade de uma ligação ao extremismo: “Tanto podem ter ligações à extrema-direita como podem ter ligações à esquerda. Dado que estão envolvidos vários milhares de profissionais, nem todos terão a mesma ideologia”.


Aliás, é o próprio movimento que, de modo transparente, assume essa identidade inorgânica: “O Movimento Zero não tem representantes… Não há rostos… Não há vozes…Não há sindicatos… Não há postos… Não há categorias… Movimento Zero somos Todos Nós…”.


É, então, possível denotar semelhanças com certas entidades, nomeadamente a Extinction Rebellion ou o Black Bloc, por se categorizarem como “movimentos sem liderança” ou de “resistência sem liderança”. Isto é, são entidades “conectadas mas não geridas verticalmente, coordenadas mas notavelmente independentes, capazes de replicação sem a existência de diretivas provenientes das estruturas centrais..”, como nos diz Arjun Appadurai. Contudo, Ricardo Cabral Fernandes tem dificuldades em acreditar que não existem líderes, dentro do movimento e que a sua estrutura não está bem definida.




O receio face a simpatias por extremismos deixa, igualmente, alerta o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT). Segundo António Nunes, os membros do Movimento Zero podem ter vários tipos de ideologia, porém tendem a cair para o “populismo e radicalismo”, declarou à rádio Observador.

O dirigente destaca, no entanto, um perigo maior: os “infiltrados”. “A constituição destes grupos, que são mais ou menos organizados nas redes sociais sem um enquadramento tradicional, estão suscetíveis de serem infiltrados por elementos extremistas que não querem levar por diante um processo reivindicativo, mas sim fazer uma alteração de ordem pública”.


Ricardo Cabral Fernandes confessou haver 4 tipos de infiltração, no seio das forças de segurança pública.




O receio de desacatos


À medida que a força do movimento cresce no universo online, aumenta a preocupação, cujos níveis tornaram-se alarmantes, aquando da véspera da manifestação de 21 de Novembro de 2019 (organizada pelos dois maiores sindicatos da PSP e da GNR).


O protesto, com data marcada para quase exatamente seis anos após a primeira manifestação conjunta das duas entidades supramencionadas, estava envolta de muita incerteza e apreensão. O clima de dúvidas em torno do Movimento Zero fazia temer a possibilidade de confrontos, à porta da Assembleia da República, como acontecera no passado – As imagens da invasão da escadaria da Assembleia da República, seis anos antes, estavam ainda frescas na memória de todos. Manifestantes furaram o cordão policial que os impedia de percorrer a escadaria de acesso à Assembleia, envolvendo-se, posteriormente, em confrontos com a Polícia de Intervenção.


Os ecos de violência que marcaram 2013 tornaram-se mais presentes quando, a breves dias da ação sindical, uma intitulada “Comissão de Polícias pela dignidade e dignificação da Polícia” enviou, por email, a delegados sindicais da PSP e das associações da GNR um comunicado de duas páginas no qual chamava a atenção dos agentes e militares para o que definiam como colagem pública de partidos de extrema-direita ao Movimento Zero.


“Dizem [o Movimento Zero] querer transformar uma ação devidamente autorizada numa ação nunca antes concretizada. O que quer isto dizer? Arruaça?”, interroga o texto da comissão, citado pelo jornal Público. O comunicado alerta para a possibilidade de violência e confronto entre polícias na manifestação. E reforça também o perigo da alegada ideologia extremista dos membros do grupo: “Nós não podemos aceitar a tolerância para com aqueles que perfilham a intolerância como opção de vida e da sociedade”.






Aclamação de um líder


Apesar de todas as incertezas que marcaram os dias anteriores ao protesto, a verdade é que este decorreu sem sobressaltos. O alarmismo que rodeou a manifestação revelou-se visivelmente exagerado. Uma mensagem de “paz” e “união” marcou o dia e teve o dom de se cristalizar no ambiente geral. Num dos momentos mais marcantes da tarde, os polícias e militares em protesto voltaram as costas ao parlamento e cantaram o hino nacional, tornando evidente o descontentamento para com a tutela.


A mancha branca (repleta de t-shirts do Movimento Zero), tornou-se dominante, capturando o protesto dos sindicatos de polícias. “Sem rosto”, mas conquistando um corpo inteiro, o movimento fez-se ouvir. Aos milhares entoaram as suas palavras de ordem "Zero! Zero!".


Ficou clara a cumplicidade e a proximidade entre o Movimento Zero e o partido populista de extrema-direita, CHEGA. Vestido com uma t-shirt do movimento de polícias anónimos, André Ventura foi o único político a subir ao carro de som da organização da manifestação - alegadamente sem ter pedido aos dirigentes dos sindicatos - e a discursar. "Hoje vocês mostraram que a polícia unida jamais será vencida", gritou, seguido de uma chuva de aplausos e de gritos sonoros "Ventura! Ventura!".



Fotografia: José Sena Goulão - Lusa

Mamadou Ba, em entrevista ao Jornal Espectro, refere que a expressão que André Ventura tem ganho no panorama nacional o preocupa, merecendo uma análise.




Na ótica de Manuel Morais, que durante 30 anos foi vice-presidente da ASPP (Associação Sindical dos Profissionais da Polícia), o maior sindicato da classe, “Houve um assalto de Ventura à manifestação, o que não é admiração para ninguém atento… Se este é o caminho, preocupa-me muito.”, frisou em entrevista ao Jornal Expresso.



Fotografia: Jorge Amaral - Global Imagens

O dirigente que se demitiu em 2018, após ter alertado, numa tese de mestrado, para a existência de racismo nas polícias, não se sente surpreendido por muitos elementos do Movimento Zero gozarem da simpatia dos grupos de extrema direita em Portugal. Segundo o agente, muitos colegas “nem sabem no que se estão a meter” ao juntar-se ao M0 e ao aceitar a ligação ao CHEGA!. Estão longe de movimentos radicais ou de ideias extremistas. Sentem-se, simplesmente, “atraídos pela promessa de mais poder”. Outros não só estão próximos desses ideais como parecem estar a ‘profissionalizar-se’. “São mais discretos”.


O dirigente, por ser uma das vozes mais ativas contra esta aparente ascensão dos comportamentos extremistas, e xenófobos dentro das forças policiais, foi também um dos principais visados, tendo 2 processos disciplinares da Direção Nacional da PSP. Na opinião de Ricardo Cabral Fernandes, o cenário tem de se alterar.




Porém, se a manifestação dos sindicatos da GNR e da PSP, de novembro do ano transato, foi encarada como pacífica, nas redes sociais o evento não foi visto de igual forma. Um gesto feito por vários agentes lançou o debate e a polémica sobre símbolos de ódio associados a extremismos políticos.


Um gesto que pode simbolizar “OK”, “zero” ou, mais recentemente, conotado com a extrema-direita e a “supremacia branca”: a mão aberta com o indicador a tocar no polegar foi adotado pelo Movimento Zero, tornando-se o símbolo do grupo. O facto ganha especial relevância pelas acusações que têm sido levantadas em torno do Movimento anónimo.



O polémico gesto. Fotografia: Gerardo Santos - Global Imagens

Qual a ligação do símbolo à extrema-direita?


O alerta surgiu em outubro de 2019, pela Liga Antidifamação (ADL), uma associação norte-americana, responsável pelo combate ao anti-semitismo e que monitoriza crimes de ódio. O gesto entrou para a lista dos símbolos de ódio depois de começar a ser utilizado por grupos extremistas como a expressão de “white power” (supremacia branca, em português).

Na altura, a ideia era convencer os jornalistas de que o gesto de “OK” era, na verdade, um símbolo do poder supremacista branco: os três dedos esticados formavam a letra "W" de white (branco, em português), enquanto o polegar e o indicador fechado simbolizam a letra "P" de power (poder). A organização justificou a decisão, explicando que o gesto começou a ser promovido como uma espécie de piada, para tentar perceber se os media tradicionais levariam isso a sério.


A “piada”, difundida no fórum 4chan, tomou grandes proporções e começou a ser usada efetivamente por supremacistas brancos como uma espécie de código, difundido no 8chan (conhecido pelo seu conteúdo habitualmente racista e ligado à alt right), no Reddit e, posteriormente, no Facebook e no Twitter.


Um dos grupos que adotaram o símbolo foram os norte-americanos Proud Boys, que começaram a usar este sinal para se identificarem. O gesto acabou por ganhar uma nova conotação, de tal maneira que, já em 2019, o autor do massacre nas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, acusado de matar 51 pessoas, fez o gesto em pleno tribunal.



Contudo, é a própria ADL, que pede cautela em classificar a utilização do gesto como sendo um sinal claro de ligações à extrema-direita, referindo que “o contexto é sempre fulcral”. Ora, esta é a grande dúvida que paira sob o Movimento Zero, devido às suas suspeitas ligações. Confrontados sobre a intenção do gesto, vários elementos do Movimento negaram “completamente a ligação”.


Perante todos os sinais aqui apresentados, é necessário um cuidado redobrado, no que a possíveis ligações à extrema direita dizem respeito. Face ao seu escalar em toda a Europa, é imperial assegurarmos a vitalidade de um sistema democrático, para que não se repita o cenário de alguns países do “Velho Continente”.


É difícil saber, exatamente, qual a intenção por detrás do polémico gesto, mas algo que é impossível apagar são as constatações do passado. E essas continuarão bem presentes na nossa memória. Não esquecemos que, em agosto de 2019, nas listas do CHEGA, para as legislativas de outubro, se encontrava o militar da GNR Hugo Ermano, que esteve na iminência de ser cabeça de lista pelo Porto. O dirigente foi, depois, alvo de um processo disciplinar por ter aceitado ser candidato Independente nas listas do partido de André Ventura.


Não esquecemos também que Peixoto Rodrigues, presidente do Sindicato Unificado da Polícia, e Pedro Magrinho, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Polícia, foram candidatos, como independentes, na lista da coligação Basta às eleições europeias de 26 de maio, do ano passado. Não sendo possível saber qual a intenção do gesto “Ok”, é possível aferir um clima de incerteza e preocupação.

A extrema-direita, por meio de promotores e intermediários que se velam na sombra, tentam aproximar-se do poder.


Assim, por todas as evidências explanadas, é de extrema importância criar mecanismos estruturais que possam, de certa forma, estancar uma ferida aberta no seio das forças de segurança, em especial na PSP, ligadas à falta de condições materiais e laborais. Porém, nada disso surtirá efeito se não for acompanhado de uma estratégia política e administrativa que tenha por base a união do corpo da Polícia e da GNR.


Porém antes de todas estas medidas serem implementadas, a prioridade terá de passar pela realização plena da nossa “catarse histórica”. Isto é, “precisamos de perceber que não há uma história perfeita, não há heróis perfeitos e que a responsabilidade de cada geração é olhar para o que as outras gerações precedentes deixaram de mau e tentar corrigir isso. E este é o compromisso” e um dos pontos fulcrais para a unificação de um dos setores mais estruturantes da sociedade, como nos confessa Mamadou Ba. Confrontado inúmeras vezes por um suposto incitamento ao ódio, defende-se citando James Baldwin, um dos maiores autores negros, de todos os tempos.




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