João Almeida: o português que nos pôs a todos com sonhos cor-de-rosa
- Alexandre Matos
- 29 de out. de 2020
- 4 min de leitura

João Almeida conseguiu um histórico quarto lugar na Volta à Itália, uma das três mais importantes provas do ciclismo. Esteve com a camisola rosa durante grande parte do Giro, mas acabou por perdê-la perto do fim para Tao Geoghegan Hart.
Balanço do Giro
Esta edição do Giro d’Italia foi das mais atípicas que há memória (como não podia deixar ser em 2020). Três dos grandes favoritos ficaram de fora muito cedo. Geraint Thomas, o líder da INEOS, caiu na terceira etapa e já não partiu no quarto dia da prova. O galês era visto como o principal candidato e foi a primeira baixa. À oitava etapa foi a vez de Simon Yates desistir por testar positivo à covid-19. Dois dias depois foi a vez de Steven Kruijswijk ser forçado a abandonar, também por ter contraído o novo coronavírus.
Numa Volta à Itália já com menos nomes grandes que o normal, devido à proximidade do Tour de France e da coincidência de datas com a Vuelta a España, estava completamente em aberto os lugares do top-10 da Classificação Geral (CG). Também importante para perceber o fenómeno João Almeida foi esta queda do mais jovem promissor corredor da equipa do português, a Deceuninck-Quick Step. Remco Evenepoel ia ser o líder da equipa na prova, mas acabou por não conseguir depois deste violento acidente há cerca de dois meses.
Dessa forma, abriu-se a porta para João Almeida assumir a liderança da equipa belga. Apesar da Deceuninck ser das melhores equipas mundiais, não compete normalmente pela CG nas grandes voltas, apostando mais em vitórias em etapas e nas corridas Clássicas de um dia.
Voltando ao Giro, Wilco Kelderman tornou-se num dos grandes favoritos, mas é longe de ser um trepador nato. Com tantas possibilidades, esperava-se um Giro muito aberto, e foi exatamente isso que recebemos. Com muitas etapas duras, apenas ia conseguir sobreviver na luta pela CG quem fosse mais consistente.
O forte percurso de João Almeida começou logo no primeiro dia. No primeiro de três contrarrelógios, o português conseguiu um fantástico segundo lugar, apenas atrás do campeão mundial Filippo Ganna. Com a certeza de que o italiano iria ficar para trás quando chegassem as montanhas, João Almeida tinha apenas que se aguentar com o grupo dos favoritos no primeiro teste, à terceira etapa. Passou com distinção, conseguindo o 11º lugar.
Depois disso, foi aguentar. Era a primeira vez que João Almeida corria numa prova de três semanas, e por isso esperava-se que, eventualmente, fosse ceder nalguma altura. Mas a verdade é que o João ia passando todos os testes. Mesmo ao chegar à derradeira semana, o português estava a mostrar uma condição física e uma garra não comuns na sua tenra idade.
A maior prova da qualidade do ciclista foi a quantidade de vezes que conseguiu acabar no top-10 das etapas: foram 11 vezes no total. Mesmo em dias em que só tinha que defender a camisola rosa, via-se João Almeida a atacar perto do fim para tentar ganhar uns valiosos segundos.
O último grande teste para o português vinha à etapa 18 – a etapa rainha desta edição do Giro. Teve que aparecer o Stelvio, subida mais dura de toda a Volta, para quebrar o João. Não conseguiu acompanhar o ritmo dos mais rápidos e perdeu algum tempo para Kelderman, segunda à altura. Ainda assim, mostrou mais uma vez uma capacidade mental muito forte ao nunca desistir, sendo muitas vezes ele mesmo a impor o ritmo no seu grupo mais recuado. Mas infelizmente para todos nós que víamos ansiosamente a etapa, a camisola rosa mudou de ciclista ao fim de 15 dias.
João Almeida desceu para quinto e tornou muito difícil o (ainda) sonho de acabar no pódio. Ainda assim, depois de um dia mais tranquilo na estrada, conseguiu mostrar-se ao mais alto nível nas últimas duas etapas. No sábado ganhou tempo aos adversários mais diretos, incluindo cerca de 30 segundos a Pello Bilbao, quarto na CG.
À partida para a derradeira etapa, João Almeida tinha que ganhar ainda cerca de 25 segundos a mais ao espanhol para conseguir ascender à quarta posição. Em mais um contrarrelógio, o português voltou a mostrar do que era feito, conseguindo mais um incrível quarto lugar na etapa, intrometendo-se entre os especialistas na modalidade. Bilbao não fez um tempo por aí além e perdeu a sua posição para o João.
Um quarto lugar na Volta à Itália foi o melhor resultado de sempre de um português. Por si só já tinha tudo para ser uma prova histórica para Portugal. Mas ainda houve outro protagonista que não quis ficar atrás. Rúben Guerreiro, especialista nas montanhas, conseguiu uma grande vitória à nona etapa, e acumulou bastantes pontos na classificação de rei das montanhas.
À medida que as etapas iam passando, o português ia-se intrometendo nas fugas e conseguia ir arrecadando pontos aqui e ali que começaram a permitir sonhar verdadeiramente pela camisola azul. Mas foi quando Giovanni Visconti, o principal opositor de Rúben a líder das montanhas, desistiu da corrida por problemas físicos que o sonho se tornou realidade. Rúben Guerreiro tornava-se no primeiro português a ganhar uma camisola numa grande volta.

O futuro do ciclismo português
Os feitos de João Almeida e de Rúben Guerreiro neste Giro d’Italia elevaram exponencialmente a visibilidade do desporto em Portugal. Fizeram capa de jornais desportivos, e fizeram com que muitos portugueses vissem e sentissem a modalidade pela primeira vez. Mas até onde é que podem ir? Teremos no futuro candidatos a ganhar um Tour, Giro ou Vuelta?
A verdade é que nem vamos precisar de olhar muito para o futuro. João Almeida, com 22 anos e na sua primeira vez a competir numa prova de 3 semanas, esteve a uma etapa de conseguir a camisola rosa. Mais do que potencial, o jovem é já uma garantia. Não será fácil, até porque as especificidades desta volta, que já anunciei no início, beneficiaram o João Almeida. Mas a capacidade física, a agressividade e a garra que mostrou são sinais que o português não terá medo quando tiver pela frente corredores como Bernal, Roglic ou Pogacar.
É preciso ter calma e prudência, sim. O próprio João disse no final que ainda não sabia bem o que tinha feito. Mas as palavras do diretor da sua equipa, a Deceuninck, deixam muitas expetativas. Apesar de conhecer a qualidade do português, este admite que "dizer que esperava este tipo de resultados no primeiro ano não é correto”, e que surpreendeu toda a gente.
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