Marcelo Rebelo de Sousa não está sozinho na corrida a Belém
- Ana Francisca Gomes
- 22 de dez. de 2020
- 8 min de leitura

Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que se vai candidatar a um segundo mandato, mas vai ter companhia na corrida a Belém.
O atual Presidente da República vai avançar para um segundo mandato, justificando que não vai sair “a meio de uma caminhada exigente e penosa” e que não pode, nem vai, fugir às suas responsabilidades. Com a apresentação da recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, fica, ao que tudo indica, concluído o leque de candidatos às presidenciais de 24 de Janeiro. Estes são alguns dos adversários com quem o Chefe de Estado vai partilhar a corrida a Belém:
Ana Gomes, a candidata anti-corrupção

“Cuidar de Portugal”
Apresentou a sua candidatura a Belém a 10 de setembro, mas já há muito se falava de uma possível entrada de Ana Gomes à corrida presidencial para 2021. Teve a coragem de avançar sozinha, sem máquina de campanha, sem o apoio do próprio Partido Socialista. Por considerar necessário haver uma representação do socialismo democrático nas presidenciais e por discordar do apoio (indireto) de António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa: “Marcelo não é do nosso campo político, não é da esquerda, não encarna os valores da esquerda”, comentava no podcast “Perguntar Não Ofende” de Daniel Oliveira. Conta agora com o apoio partidário do PAN e do Livre e de alguns dirigentes e governantes socialistas, como é o caso de Pedro Nuno Santos e Tiago Barbosa Ribeiro. Mas há também muita gente do partido que é a sua casa que não “casa” com a sua candidatura. Muitos outros até a apelidam de extremista, mas Ana Gomes explica: “Se é contra a corrupção, a falta de ética, a falta de isenção na vida política, bom, sim: sou extremista e sou radical”. E é precisamente a luta contra a corrupção que tem como uma das suas principais bandeiras, uma luta sua já muito antiga. Tem também tornado pública a sua posição relativamente ao partido Chega que considera ter como agenda a “destruição da democracia” e defende a sua ilegalização por ter propósitos “antidemocráticos racistas que estão proibidos na constituição”. Numa entrevista à RTP, quando se defendia dos ataques de André Ventura, a candidata afirmou que “Chamar a alguém cigano não é insulto. É uma medalha de honra, quero ser a candidata dos ciganos, dos africanos, das pessoas de pele de qualquer cor, dos gays, das minorias, quero ser a candidata desses todos. A minha candidatura é para contrariar os projetos que querem dividir os portugueses – que é o projeto da extrema-direita.” No seu discurso de candidatura deixou bem claro não estar a concorrer “contra ninguém”, sendo o seu grande objetivo servir os interesses nacionais.
Ana Gomes licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa em 1979. Um ano depois ingressou na carreira diplomática. Foi consultora do Presidente Ramalho Eanes entre 1982 e 1986 e fez parte da Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas, onde coordenou a Delegação Portuguesa ao Conselho de Segurança. Passou por embaixadas portuguesas em Londres e Tóquio e entre 2004 e 2019 foi membro do Parlamento Europeu.
Marisa Matias, a candidata contra o medo

"Sou socialista, laica e republicana e vou à luta pelas minhas ideias, ao lado de quem não desiste de Portugal"
Marisa Matias não é nenhuma estreante na corrida presidencial. Quando, há cinco anos, se candidatou pela primeira vez à Presidência da República, conseguiu o melhor resultado de sempre para um candidato apoiado pelo Bloco de Esquerda. A eurodeputada bloquista ficou com o terceiro lugar da corrida a Belém, com votos de confiança de quase 500 mil eleitores. As sondagens davam-lhe apenas 3% dos votos, mas acabaram por votar na bloquista 10,1% dos portugueses que se deslocaram às urnas e, portanto, não se compromete com metas nestas eleições, ainda que continue a esperar “o melhor resultado possível”. Por disputar o seu eleitorado com Ana Gomes, com quem partilha valores idênticos e uma amizade, foi inúmeras vezes questionada se não deveria abdicar da candidatura, mas afastou sempre qualquer hipótese de desistência. Para a eurodeputada, a fragmentação da esquerda em três candidatos pode trazer uma maior mobilização do voto. Foi a 9 de setembro que chegou, de cravo na mão, ao Quartel do Carmo – local simbólico para o 25 de abril – e apresentou a sua candidatura. Anunciou ser a “candidata contra o medo” em frente a diversos profissionais que estiveram na linha da frente do combate à pandemia e que nunca deixaram de ir trabalhar quando o país se confinava, um gesto simbólico para a sua campanha, que promete ser feita “assim, a ouvir, a dar voz à gente sem medo, a apoiar a coragem de quem cuida dos outros”. Nomeou um único adversário – Marcelo Rebelo de Sousa – de quem quer marcar diferenças: “Marcelo quer um regime político assente em mais do mesmo, eu quero um regime que responda à pandemia social e acabe com os privilégios; ele aceitou um regime financeiro que se foi esvaindo em privatizações e negócios, eu quero uma banca pública de confiança; ele quer um sistema de saúde concedido em parte a hospitais privados, eu quero um Serviço Nacional de Saúde de qualidade para todos”. Para a bloquista é necessária uma agenda que responda a questões de igualdade de género, luta antirracista, direitos das pessoas e emergência climática.
Marisa Matias estudou Sociologia na Universidade de Coimbra e tem obras relacionadas com o ambiente e a saúde pública. Com 44 anos, encontra-se já no seu terceiro mandato como eurodeputada no Parlamento Europeu.
Tiago Mayan Gonçalves, a alternativa liberal

“Sou o primeiro candidato genuinamente liberal a Presidente da República”
Apresenta-se como o candidato da alternativa liberal e é nesse espaço que quer conquistar votos: é o candidato de “um espaço político que congrega liberais, mas também pessoas que não se revêm num presidente que o abdicou de o ser, ou em populistas de esquerda e de direita”, como diz no seu vídeo de apresentação e candidatura. Tiago Mayan promete ter sempre presente que “o soberano é o cidadão” e critica a atuação política do Governo no contexto da pandemia, “temos visto continuamente uma posição cada vez mais autoritária de quem se considera o dono do aparelho de Estado e que se arroga o direito de impor, controlar, subjugar os cidadãos”, um “discurso de medo e de temor com uma tendência clara de associar a isso uma deriva autoritária e estatista que é muito perigosa”. O candidato não tem também poupado o atual Presidente da República de críticas. Para Tiago Mayan, Marcelo Rebelo de Sousa não foi um Presidente da República, mas sim um “ministro da propaganda” do Governo socialista, considerando que este colaboracionismo foi “meramente narcisístico” para conseguir a reeleição. Na apresentação da candidatura, em Julho, assumiu um discurso crítico do sistema: “Sou um cidadão como vocês, farto da bolha em que o sistema político vive, alheado da vida dos portugueses. Sou descomprometido. Não estou envolvido em teias de interesses, de cumplicidades e de conveniências, dos séquitos e das elites do Terreiro do Paço”. Questionado sobre ser anti-sistema, como André Ventura se assume, diz “eu não sou anti-sistema, sou fora do sistema”. Não vê em nenhum candidato à presidência uma “voz que defenda os cidadãos e as suas liberdades e garantias neste momento” e pretende sê-la.
Tiago Mayan Gonçalves, de 43 anos, é advogado e político. Formado em Direito pela Universidade Católica do Porto foi um dos fundadores da Iniciativa Liberal. Chegou a ser militante do PSD, mas saiu por ser um “partido do sistema”.
André Ventura, o candidato anti-sistema

“Por Portugal. Pelos Portugueses”
Foi o primeiro a entrar na corrida presidencial, logo em Março e escolheu Portalegre para apresentação da sua candidatura, o distrito onde teve melhor votação nas últimas legislativas. André Ventura tem marcado a sua campanha por ataques à maioria dos seus adversários, mas tem mostrado preferência por dois alvos. Sobre Marcelo Rebelo de Sousa já criticou não se pronunciar sobre temas como “o combate à corrupção, as condições de trabalho das forças de segurança e as dificuldades do Ministério Público na investigação de políticos”, quando o chefe do estado já o fez. E chegou mesmo a apelidar Ana Gomes de “a candidata cigana” e ameaçou demitir-se do cargo de líder do CHEGA caso ficasse à sua frente nas sondagens – algo do qual entretanto desistiu. E é precisamente na comunidade cigana que encontrou as vítimas perfeitas para as suas injúrias e declarações racistas e xenófobas, não só durante a sua campanha eleitoral, mas durante todo o seu percurso político – em pleno confinamento, sugeriu que fosse feita uma cerca sanitária à comunidade. Sempre se apresentou como sendo anti-sistema, mas reforçou-o ainda mais na sua campanha: “Sabemos que ganhar é praticamente impossível, mas podemos travar uma luta histórica contra o sistema. O meu primeiro objetivo é expor a podridão deste sistema. Mais do que ganhar, interessa-nos que os portugueses fiquem a saber quão mal está o seu sistema democrático e o seu sistema social”. Assegurou ainda que não vai suspender o seu cargo de presidente do Chega nem o seu mandato de deputado “até que a lei o permita”.
André Ventura licenciou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Nova. Em 2013, defendeu a sua tese de doutoramento em Direito Público, onde criticou o “populismo penal” e a “estigmatização de minorias”. Atualmente, é professor na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Autónoma de Lisboa e deputado único do Chega na Assembleia da República, assim como líder reeleito do partido.
João Ferreira, o candidato comunista

"Façamos desta candidatura parte da luta pela mudança que desejamos para as nossas vidas, da mudança que Portugal precisa."
Há quatro anos, a candidatura de Edgar Silva a Belém redundou no pior resultado de sempre de um candidato comunista - com 183 mil votos, ficou-se pelos 3,95% dos votos. João Ferreira é o candidato do PCP nestas presidenciais e carrega o fardo das anteriores. Jerónimo de Sousa salientou a sua “seriedade, integridade e entrega à causa pública” que diz estar “bem patente na sua ação como dirigente associativo universitário e nos diversos órgãos da Universidade de Lisboa” e o “valioso e volumoso trabalho realizado no Parlamento Europeu”. Valores que garantiu que João Ferreira “procurará imprimir em toda a batalha eleitoral e que assumirá, sendo eleito, na Presidência da República”. O candidato tem acusado o atual Presidente de ter falhado nos “afetos aos trabalhadores” e na defesa dos seus direitos e dos aumentos dos salários. Afirma que esta atuação traduziu-se no seu silêncio sobre a valorização dos salários dos trabalhadores, “afetados nos seus rendimentos por causa dos salários baixos”, mas também, devido à pandemia, “pelo layoff ou pelos despedimentos”. Ressalvou ainda que “sabemos que o Presidente da República não é Governo, mas tem poderes, desde logo o poder da palavra”. João Ferreira pretende fazer o que Marcelo “não fez” e garante que esta será uma candidatura será um “espaço de luta comum” “junto dos trabalhadores e do povo, nas suas lutas pelos seus legítimos direitos, interesses e aspirações” e junto dos jovens.
João Ferreira tem sido a cara do PCP em batalhas eleitorais de peso nos últimos anos: liderou duas vezes a lista às europeias, outras tantas a corrida à Câmara de Lisboa. Foi sucessivamente apontado como um possível adjunto ou “vice” para Jerónimo no congresso de Loures, para assegurar a transição da liderança do partido.
Tino de Rans, o candidato do povo

“Combater os populismos e a abstenção”
Vitorino Silva, conhecido por Tino de Rans, calceteiro de Penafiel, já se tinha candidatado em 2016 e conseguido obter 3,2% dos votos, ficando perto do então candidato do PCP. Foi militante do PS, mas em 2019 entregou cerca de 11 mil assinaturas ao Tribunal Constitucional para formalizar o seu partido RIR - Reagir, Incluir, Reciclar. Anunciou a candidatura em Setembro, tendo apelado a que a data das eleições fosse adiada para a primavera para poupar os mais vulneráveis à pandemia: “não podemos permitir que os idosos possam faltar ao voto por estarem enfraquecidos ou com medo”. O candidato garante que este seu regresso surge para “combater os populismos e a abstenção” e afirma com convicção: “não sei se vou ter muitos ou poucos votos, mas de uma coisa tenho a certeza: vão ter de me pôr nas sondagens”.
Na corrida estará também, mas com menos expressão, Orlando Cruz, taxista reformado de Vila Nova de Gaia, que já anunciou ser candidato em ocasiões anteriores, mas não reuniu as assinaturas necessárias para formalizar candidatura. Assim como Paulo Alves, empresário e ex-candidato à Câmara de Felgueiras.
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