top of page
Logo_Invertido-12.png

SAD’s no futebol nacional: um alavanque ou uma queda no abismo?

  • Foto do escritor: Jornal Espectro
    Jornal Espectro
  • 27 de dez. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 18 de jan. de 2021

As Sociedades Anónimas Desportivas (SAD’s) em Portugal têm gerado um longo debate. Enquanto que essenciais para alguns clubes, têm levado outros à ruína. Importa perceber como surgiram e se faz sentido manter este modelo de gestão desportiva do futebol profissional.


Fotografia: Octávio Passos - LUSA

O surgimento das Sociedades Desportivas foi um processo natural e muito necessário, explica-nos João Orlando Carvalho, advogado especialista em direito desportivo. “As SAD's surgem, essencialmente, para preencher um vazio que se sentiu que existia nas competições desportivas, face à transformação que estas foram sofrendo”.


À medida que o futebol se ia profissionalizando, era necessário olhar para o futebol com uma visão diferente. O advogado explica-nos esta mudança de paradigma com uma célebre frase da altura: “Não era só um jogo, nem era só um negócio.... Era talvez uma mistura ou passou a ser uma mistura das duas coisas.”


Foi neste contexto de constante evolução do futebol nacional que se sentiu a “necessidade de criar uma estrutura diferente daquela que existia tradicionalmente”. Os clubes até à altura seguiam o modelo de uma associação sem fins lucrativos. Contudo, estas deixaram de estar à altura da componente financeira crescente. As despesas era cada vez mais significativas, e este modelo não conseguia dar resposta.


Foi assim que as Sociedades Desportivas emergiram como uma alternativa fundamental de forma a permitir o crescimento dos clubes, assegurando sempre a sua sustentabilidade financeira.


"O grande entrave que havia no modelo anterior é que as associações não podiam ter fins lucrativos e os clubes precisavam de uma estrutura que lhes permitisse ter fins lucrativos e, portanto, isso só através da criação de uma entidade distinta, com características distintas, foi por aí que se sentiu essa necessidade de criar as chamadas sociedades desportivas"

A nível financeiro, João Orlando Carvalho não tem grandes dúvidas quanto às vantagens que este modelo trouxe consigo. “Através das sociedades desportivas abre-se a porta a investidores, que querem, ao aplicarem os seus fundos num determinado clube, obter algum retorno”.


Os benefícios económicos gerados por este surgimento das SD’s têm proporcionado um crescimento exponencial ao futebol profissional português, segundo o advogado. “Hoje em dia, é incomparável o grau que é exigido a um clube de futebol para participar na 1º Liga. Basta irmos aqui há 10 anos atrás, e talvez um clube da primeira divisão não tinha lugar na primeira, nem na segunda, nem na terceira, se calhar só tinha lugar nos distritais. O patamar de exigência foi evoluindo.”


No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Como qualquer modelo de gestão, as Sociedades Desportivas apresentam, igualmente, os seus contras, no qual a descaracterização das entidades desportivas é o exemplo mais significativo. A nova dinâmica introduzida por esta modalidade de gestão é por vezes “conflituante”, no que diz respeito à interação entre “o clube tradicional, o adepto tradicional de futebol e as SAD’s e os seus investidores”.


Neste aspeto, alguns clubes têm optado pela alternativa que melhor defende os interesses e o ADN do clube - as SDUQ’s (Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas). Nestas, ao contrário das SAD’s, nas quais o clube apenas tem de deter 10% do capital social, o clube fundador tem na sua posse a totalidade do capital social.


Para além desta vantagem, os valores necessários para a criação de uma Sociedade Desportiva são muito díspares. No que concerne às SAD’s, o capital mínimo é de 1 milhão de euros na 1º Liga e de 200 mil na 2º, enquanto que nas SDUQ’s estes são apenas de 250 mil e 50 mil euros, respetivamente. Uma diferença de valores considerável que atesta a capacidade de investimento de uma e de outra.


Apesar da perda de influência dos adeptos, no âmbito da tomada de decisão no interior dos clubes, João Orlando defende que “no balanço dos ganhos e das perdas, parece-me que ainda assim era inevitável, não havia outro caminho, porque senão, hoje em dia, os clubes não tinham capacidade financeira, nem sustentabilidade financeira, que vão tendo, com muitas dificuldades”.


Contudo, é difícil de explicar esta equação aos milhares de adeptos de Norte a Sul do país, que sentiram na pele, todos os problemas que a má gestão das SAD’s pode trazer.


Promessas de um “Messias” que se tornou “Judas”


Em Agosto de 2011, o cenário em Aveiro era de extremo otimismo. O Sport Clube Beira-Mar oficializou a criação de uma SAD, liderada por Majid Phishyar, empresário iraniano. Quando tomou posse fez promessas demasiado ambiciosas, nas quais afirmava que queria pôr a formação auri-negra ao lado dos três grandes. Tal não aconteceu, e a saúde financeira do clube foi-se agonizando.


Aquando da chegada do Messias iraniano, o passivo do Beira-Mar era já elevado. Perante alguma condescendência por parte de Majid Phishyar as dívidas foram-se acumulando e culminou com a descida de divisão e com salários em atraso, na época de 2012/13. Este foi o início do abismo para o clube aveirense. No ano de 2015 entrou em insolvência e foi despromovida dos campeonatos profissionais. Atualmente no Campeonato de Portugal.


Tumulto em Leiria


Neste período, deu-se ainda um outro caso de ruptura entre o clube e a Sociedade Anónima Desportiva, que teve lugar em Leiria, na União Desportiva de Leiria. O conflito eclodiu na época desportiva de 2011/12. Na altura, a SAD do clube entrou em dissonância com a Leirisport, empresa municipal, que geria o Estádio Magalhães Pessoa, e que forçou à emigração da equipa para Torres Novas. Nesse ano, a equipa terminou em último na Primeira Liga e viu a sua inscrição na Segunda Liga ser recusada, por não cumprir os requisitos financeiros.


Os problemas não ficaram por aqui. A União de Leiria SAD foi extinta em 2014 com milhões de euros em dívida. Esta foi posteriormente adquirida pela DS investment LLP, empresa presidida por Alexander Tolstikov, antigo jogador e empresário russo, que acabou detido em maio de 2016, acusado de branqueamento de capitais na Operação Matrioskas. Este foi, entretanto, libertado, e o processo arquivado. Nos dias de hoje, a relação entre o clube e a SAD é estável, no entanto, as suspeitas de atos ilícitos por parte de Tolstikov ainda pairam no ar.


Clube de Futebol Os Belenenses, a prova do verdadeiro amor à camisola


Enquanto que nos casos anteriores acabou sempre por haver algum tipo de entendimento entre a SAD e o clube, em Belém a rutura foi total. Patrick Morais de Carvalho, presidente do CF Os Belenenses, chocou o mundo do futebol português quando, em 2018, anunciou a criação de uma equipa amadora para competir nos campeonatos da AF Lisboa. Não foi a primeira vez que um histórico desceu até ao escalão mais baixo, porém foi, sim, surpreendente a manutenção de uma equipa na 1º Liga, gerida unica e exclusivamente por uma Sociedade Desportiva - o B-SAD, presidida por Rui Pedro Soares, da CodeCity.


A formação manteve-se a mesma, em termos de jogadores e equipa técnica, mas foi forçada a fazer a viagem até ao Estádio Nacional do Jamor, e foi ainda proibida, inicialmente, de usar o símbolo (Cruz de Cristo) e, posteriormente, o nome “Belenenses”.


Após a dissolução, e mesmo com duas equipas, uma delas no principal escalão do desporto rei, os adeptos mantiveram-se fiéis ao clube fundador e, embora tenha sido relegado para o fundo das competições desportivas da Associação de Futebol de Lisboa, a verdade é que o Clube de Futebol Os Belenenses conta sempre com o apoio de milhares de pessoas em todos os jogos, mostrando uma união, porventura, superior à existente no pré-tempestade. Uma prova que a mítica do Restelo está mais forte do que nunca. Este foi o litígio mais controverso e mediático do futebol nacional.



“Mais olhos que barriga” levou à ruína na Vila das Aves


Na Vila das Aves mora um clube que conheceu o céu e o inferno em muito pouco tempo. Desde os vencedores da Taça de Portugal em 2018, até conhecerem o sabor amargo dos campeonatos distritais em 2020. Ainda que tenham conquistado a prova rainha do futebol português, há muito se previa que a ruína batesse à porta. Um projeto desportivo baseado em excessos salariais e com poucos resultados dentro das 4 linhas estava condenado à falência.


Começaram 2020 com atrasos no pagamento de salários e a pandemia apenas veio piorar a situação - assim se justificaram os investidores chineses. Já lanterna vermelha na Primeira Liga, durante grande parte do campeonato, e com rescisões de contrato a meio da época, o regresso da competição após a paragem imposta pela Covid-19 foi um pesadelo para os avenses.


O novo presidente, António Freitas, eleito em Junho de 2020, ainda tentou alterar o rumo da situação. Lutou com unhas e dentes para que o Clube Desportivo das Aves terminasse o campeonato de forma digna, mesmo sabendo que a despromoção era inevitável. Após a SAD ter anunciado que a equipa não iria a jogo com o SL Benfica e o Portimonense nas últimas duas jornadas, o presidente avense bateu o pé e os encontros acabaram por se realizar.



Apesar dos esforços heróicos da direção de António Freitas, a SAD do Aves não conseguiu pagar a inscrição na Segunda Liga e foram, inicialmente, relegados para o Campeonato de Portugal. Ao não se inscreverem nesta divisão também, a Sociedade Desportiva extinguiu-se. Ao clube fundador estava já o destino traçado, o recomeço nos campeonatos distritais na Associação de Futebol do Porto.


Necessidade de mudança


Existe um claro consenso dentro do mundo jurídico do futebol: algo tem que mudar. Contudo, como nos explicita Orlando Carvalho, estes processos são muito demorados. “.... às vezes as coisas desde a reflexão à análise, ao estudo, à preparação dos documentos, até à prática, ainda vai algum tempo. Estamos numa fase ainda de densificação da regulamentação e identificação das situações. Porque às vezes há situações que surgem que ninguém tinha pensado nelas. E é preciso criar um mecanismo de proteção dessas situações”.


Uma das possíveis soluções para dar mais poder ao clube fundador passa por aumentar a percentagem mínima reservada para este, dentro do capital social das SAD’s. João Orlando Carvalho diz que este cenário se verifica em território alemão e que isto não prejudica em nada o lado financeiro: “E vejamos uma coisa, a Liga Alemã, que é a se calhar a maior a seguir à Inglesa, é daquelas que gera mais benefícios económicos”.


A principal razão para a impossibilidade de implementação destas medidas em Portugal está ligada com a reduzida capacidade económica dos clubes. Contrariamente ao que se sucede na Alemanha, onde vemos clubes de divisões inferiores com 30/40 mil pessoas nos dias de jogo, os clubes portugueses, à exceção de uma percentagem mínima, não conseguem mobilizar os seus adeptos para o estádio, o que leva a que tenham uma dificuldade acrescida em angariar receitas.


“No fundo o problema é a debilidade económica dos clubes, aqueles mais suscetíveis à entrada de investidores predadores são aqueles que têm mais dificuldades financeiras, e que não podem escolher o investidor, querem é que apareça um investidor, seja ele quem for. E as coisas às vezes correm mal.”

Artigo por Alexandre Matos e Fábio Lopes





コメント


bottom of page